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Epifania dos Vinte e Oito

“Aquele que mover o mundo, primeiro se moverá.”

“Aquele que mover o mundo, primeiro se moverá.”

Epifania dos Vinte e Oito

29
Jan22

Será activismo ou mediatismo? Talvez ambos.

Recentemente, a psicóloga Joana Amaral Dias, também activista, comentadora e colunista política, decidiu abordar no seu programa “A Nova Variante”, apresentado em directo na sua conta de Instagram às quartas-feiras, as medidas de controlo da pandemia, sobretudo a que indica obrigatoriedade de apresentação de certificado digital no acesso a determinados estabelecimentos. Neste episódio, num formato pouco habitual, enalteceu a sua resistência face a esta medida, ilustrando juntamente com um grupo de amigos, como deveriam proceder aqueles que, por falta de certificado, estão inibidos de frequentar o interior dos restaurantes. O resto já todos sabem certamente.

Guardo pela psicóloga todo o meu respeito, e até alguma consideração pela sua ousadia em defender publicamente as suas ideias, muitas vezes contrárias ao status quo vigente na sociedade. Reconheço-lhe igualmente o papel fundamental que tem tido no apoio ao jornalismo independente, que tem revelado as falhas da história que nos tem sido narrada pelos principais órgãos de comunicação social e pelo governo. Digamos que, de um modo geral, tenho apreço pelas questões que põe em cima da mesa, e partilho até de algumas ideias que defende, porém, raramente concordo com a metodologia que frequentemente utiliza para fazê-lo. 

Mais uma vez, o mesmo se verifica neste episódio do seu programa, em que me sinto alinhado com os valores defendidos, mas não com a sua conduta, nem com a forma como abordou o tema. Não querendo ofender qualquer interveniente do vídeo em questão, considero que a motivação do mesmo foi algo imatura e superficial. Todos os procedimentos foram feitos em um ambiente controlado, e o facto de terem realizado o pedido na modalidade take-away revelou isso mesmo, quando a intenção era permanecer no interior do restaurante. Pareciam querer provocar um pouco de alarido, mas não o suficiente para se verem numa iminente situação de impotência. Espero estar errado, mas desse modo, comprometeram não só a oportunidade de provocar uma reflexão profunda nas pessoas, como também a de mostrar efectivamente, num cenário mais rígido, como estas poderão actuar de forma prática e legal, caso se dignem a entrar num estabelecimento público sem o dito certificado.

Em tempos escrevi um artigo neste blogue sobre o uso do activismo, abraçado com as redes sociais, como uma ferramenta de busca por aprovação social. Foi-me difícil dissociar essa ideia, da intenção deste vídeo que me pareceu muito mais sobre mediatismo do que sobre activismo. Tenho dúvidas de que esta seja a via mais adequada na luta pelas liberdades individuais, e pelas causas outras que habitualmente costuma defender. Creio existir aqui um levantar de bandeira que considero ser uma atitude contraproducente, apenas promove o separatismo e o tribalismo. Não Estar vacinado é uma condição voluntária, não é uma camisola, e muito menos um clube.

Quando nos rebelamos contra algo, devemos preservar o nosso estado de consciência, porque se formos demasiado passionais nas nossas acções, facilmente perdemos o equilíbrio e nos tornamos primitivos. É preciso ter cuidado com o poder que as pessoas nos atribuem quando defendemos afincadamente as nossas posições em público, porque à medida que esse poder cresce, aumenta também a probabilidade de cairmos na tentação de querermos ser o messias do povo. Nenhum homem carrega verdades absolutas, e essa é a principal razão pela qual sigo ideias, e não sigo pessoas.

Pessoalmente, na minha condição naturalmente assumida de não vacinado “contra” a COVID-19, embora tenha o boletim de vacinas em dia, prefiro estar rodeado de pessoas onde sou bem recebido, e frequentar apenas lugares onde sou bem-vindo. Nenhum cliente que seja mal servido, ou mal recebido, em determinado estabelecimento, voltará a frequentar tal espaço, a menos que seja por benefício da dúvida. Assim era antes de a ONU ter declarado a existência de uma pandemia, e assim continuará a ser, a única diferença é que agora sabemos de antemão se somos ou não bem-vindos num determinado sitio.

Não vejo utilidade alguma em impingir a minha presença quando ela não é vista com bom olhos, salvo raras excepções, em que tal insistência seja imprescindível para minha sobrevivência, como por exemplo em instituições de serviços públicos, farmácias, hospitais, e supermercados. Se um dia chegarmos a tal ponto em que eu seja privado de frequentar tais lugares, talvez aí a minha natureza primitiva ganhe mais força, pois entre a morte e a vida, eu prefiro a vida, e não garanto inteira sanidade se por ela estiver a lutar. 

Enquanto esta discriminação estiver reservada a espaços culturais, lazer nocturno, ou de restauração, eu passo bem, existem muitas outras opções para me satisfazer a um nível lúdico e intelectual. É claro, não sou egoísta ao ponto de pensar que está tudo bem com esta privação selectiva porque esta ainda não me atingiu. Bem sei, que muitas pessoas estão a ser prejudicadas noutros lugares de grande importância na sociedade, como é o caso de alguns locais de trabalho e de algumas instituições de ensino. Nesses espaços sim, seria útil, e com maior sobriedade, filmar uma experiência social do género da que vimos neste episódio que decorreu no McDonald’s do Marquês de Pombal.

Se algumas mentes mais polarizadas, que possam eventualmente ter lido este texto, se sentiram um pouco confusas quanto à minha posição, com todo o respeito vos peço, que não se apressem a tentar colocar-me numa caixinha, que se libertem da preguiça de pensar, e pratiquem o exercício de ver o mundo a cores. O convite à reflexão é o verdadeiro motivo de eu comentar, com toda a imparcialidade, as acções praticadas pelos intervenientes deste episódio do programa A Nova Variante. Não é, nem se propõe ser, um ataque à autora do mesmo, uma vez que nada lhe tenho contra, bem pelo contrário. 

 

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