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Epifania dos Vinte e Oito

“Aquele que mover o mundo, primeiro se moverá.”

“Aquele que mover o mundo, primeiro se moverá.”

Epifania dos Vinte e Oito

23
Jan23

O Berro de Quincas


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Hoje vou falar-vos sobre o meu encontro com alguém que teve duas vidas e três mortes. Não me refiro a nenhuma experiência espiritual esotérica, mas ao conto de Jorge Amado, publicado pela primeira vez em 1959, numa revista carioca chamada Senhor. Mais tarde, foi editado em livro e tornou-se uma das obras mais famosas do escritor.

A Morte e a Morte de Quincas Berro D’água, embora seja uma pequena história, escrita numa linguagem simples, o que a torna alcançável a todo o tipo de público, trás consigo mensagens um tanto profundas. Se julgasse-mos o livro pelo título, levaria-nos erroneamente a pensar de que se trata de um drama, mas na verdade, estamos perante uma sátira social que mistura o real e o absurdo de uma forma um tanto cómica.

Neste conto, Jorge Amado, constrói uma narrativa em torno da dualidade da vida de um homem que deixou de parecer Joaquim, homem domesticado pelas convenções sociais, funcionário público, e aparentemente bem sucedido aos olhos da sua família e dos seus vizinhos; para ser Quincas, o homem que um dia largou tudo, entrou num bar que habitualmente frequentava, entornou um copo de água achando que era cachaça, e deu o grito da sua libertação — o grito que o tornou no boémio mais famoso das ruas de Salvador, que fazia troça dos valores burgueses, dos deveres cívicos, e da hipocrisia da sociedade.

Ler este conto, foi como regressar ao passado e resgatar algumas memórias, um passado não tão longínquo onde um dia também fui Joaquim, e um passado mais recente onde eu já era Quincas. 

Já fui o jovem que perseguia a ideia de “ter sucesso”, e que durante muitos anos carregou o fardo de tentar “ser alguém”, encaixando-se lentamente nos moldes da sociedade perfeita, para ser o jovem que descobriu que já nascera sendo alguém, e que o sabor do sucesso que antes perseguia e começara a sentir, era na verdade o sabor a corante. 

Quanto ao passado recente, refiro-me à primeira viagem internacional que fiz sozinho, há cerca de um mês, para Salvador da Bahia justamente, cidade pela qual me apaixonei de imediato, pelo seu lado pitoresco e por todo o património que carrega, e que ainda hoje me invade alguns sonhos. Nunca imaginei que um dia estaria no Largo Quincas Berros D’agua, nome do personagem principal de um livro que constava há muito na minha lista de livros a ler.

Ao entrarmos no mundo de Quincas, somos automaticamente transportados para Salvador, inundados pela cultura baiana, acordados com uma chapada de realidade, e intrigados com uma pitada de fantasia.

05
Abr21

Nada é Verdade

Cada vez mais acredito e sinto que nada surge por acaso no nosso caminho. Cada ganho e cada perda, sejam elas experiências ou pessoas, podem ter uma função didática na nossa vida — uma estrada de autoconhecimento.

Para o bem e para o mal, e até isso é uma questão de perspectiva, cada escolha, cada renúncia, cada acção, cada reação, cada experiência, e cada pessoa, traz-nos um ensinamento, sobretudo quando o objecto em si carece dessa pretensão. Muitas vezes, esses ensinamentos são apenas percepcionados anos mais tarde, como por exemplo a música que me inspirou a escrever esta reflexão.

 

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Nada é verdade é o nome de uma música na qual participei com a criação do instrumental, e que conta com a letra e voz de um grande amigo. Foi o single de lançamento de um álbum que desenvolvemos em conjunto, também com o mesmo nome, e que lançámos em 2016. Naquela altura já era um dos temas do álbum que mais admirava, mas só hoje entendo a verdadeira razão dessa admiração. Vai muito além da sua estética sonora. Eu fui verdadeiramente tocado pela sua mensagem e, se na altura a compreendia num sentido literal, hoje sinto-a num sentido metafísico. Sinto-a como se sobre mim falasse, e como se tais palavras tivessem sido escritas pelas minhas próprias mãos. 

A metamorfose que se deu na minha vida aos vinte e oito anos trouxe-me a um lugar em que esta música passou realmente a fazer-me sentido. Foi como uma semente que sorriu para mim para que eu a guardasse, e para que mais tarde, no momento certo, pudesse finalmente germinar. Mas sobre sementes falarei noutra altura.

Este é o poder da arte, em que a interpretação de uma obra transcende o sentido original do seu criador a partir do momento em que ela é partilhada.

Voltando ao cerne desta minha reflexão.

Admito a possibilidade de que esta minha ideia seja uma tentativa vã de romantizar a vida para justificar a minha fome de sentido. Se assim for, prefiro alimentar essa fome para que não seja vencido por um qualquer tipo de niilismo que possa crescer dentro de mim. Pode parecer paradoxal, mas é o facto de saber que a vida não tem sentido, e que nós não temos nenhum propósito ou missão, ou como lhe preferirmos chamar, que me faz escutar e observar os sinais do universo e interpretá-los de uma forma que dê brilho e riqueza a esta minha breve passagem pelo mundo. Enquanto realizo essa prática e essa busca, reflete-se naturalmente nas minhas ações, no meu temperamento, na minha conduta, e todos à minha volta beneficiarão disso, inclusive eu próprio, porque a vibração que eu emano para fora retornará para dentro. É essa mesma busca que me dá o entendimento de que, tal como tudo na natureza, eu nasci para viver em simbiose e não como parasita.

Se existirá vida depois da morte? Se a “minha” alma reencarnará noutro corpo? Não sei, duvido de quem saiba e tampouco me importa. Embora o questionamento seja para mim uma prática diária, não são essas as questões que me ocupam. Viverei a ressignificar a vida no presente e enquanto ainda respiro, apenas para não enlouquecer e/ou viver refém da minha própria sombra. 

“O contrário da morte não é a vida, é o nascimento. Vida é o que existe entre esses opostos.” Eduardo Marinho

Ainda que não acorde todos os dias a pular de alegria, sou inteiramente interessado e fascinado pelo que é vida, e tudo o que me importa é tentar compreendê-la e amar todas as suas formas. Quanto à morte, não a temo mais, contudo, respeito-a. Saber da sua existência faz-me interessar ainda mais pelo que é vida. Trabalho internamente a sua aceitação e converto-a em combustível para viver, e não para sofrer — ela é, e carrega, apenas mais um ensinamento.

Dale Carnegie citou, no seu best-seller Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, uma frase de William James: “O princípio mais profundo da natureza humana é a fome de reconhecimento.” Embora subscreva esta sábia afirmação, eu trocaria a fome de reconhecimento pela fome de sentido. 

Ainda que nada seja verdade, esta é a minha verdade e a que me mantém vivo.

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