Nada é Verdade
Cada vez mais acredito e sinto que nada surge por acaso no nosso caminho. Cada ganho e cada perda, sejam elas experiências ou pessoas, podem ter uma função didática na nossa vida — uma estrada de autoconhecimento.
Para o bem e para o mal, e até isso é uma questão de perspectiva, cada escolha, cada renúncia, cada acção, cada reação, cada experiência, e cada pessoa, traz-nos um ensinamento, sobretudo quando o objecto em si carece dessa pretensão. Muitas vezes, esses ensinamentos são apenas percepcionados anos mais tarde, como por exemplo a música que me inspirou a escrever esta reflexão.
Nada é verdade é o nome de uma música na qual participei com a criação do instrumental, e que conta com a letra e voz de um grande amigo. Foi o single de lançamento de um álbum que desenvolvemos em conjunto, também com o mesmo nome, e que lançámos em 2016. Naquela altura já era um dos temas do álbum que mais admirava, mas só hoje entendo a verdadeira razão dessa admiração. Vai muito além da sua estética sonora. Eu fui verdadeiramente tocado pela sua mensagem e, se na altura a compreendia num sentido literal, hoje sinto-a num sentido metafísico. Sinto-a como se sobre mim falasse, e como se tais palavras tivessem sido escritas pelas minhas próprias mãos.
A metamorfose que se deu na minha vida aos vinte e oito anos trouxe-me a um lugar em que esta música passou realmente a fazer-me sentido. Foi como uma semente que sorriu para mim para que eu a guardasse, e para que mais tarde, no momento certo, pudesse finalmente germinar. Mas sobre sementes falarei noutra altura.
Este é o poder da arte, em que a interpretação de uma obra transcende o sentido original do seu criador a partir do momento em que ela é partilhada.
Voltando ao cerne desta minha reflexão.
Admito a possibilidade de que esta minha ideia seja uma tentativa vã de romantizar a vida para justificar a minha fome de sentido. Se assim for, prefiro alimentar essa fome para que não seja vencido por um qualquer tipo de niilismo que possa crescer dentro de mim. Pode parecer paradoxal, mas é o facto de saber que a vida não tem sentido, e que nós não temos nenhum propósito ou missão, ou como lhe preferirmos chamar, que me faz escutar e observar os sinais do universo e interpretá-los de uma forma que dê brilho e riqueza a esta minha breve passagem pelo mundo. Enquanto realizo essa prática e essa busca, reflete-se naturalmente nas minhas ações, no meu temperamento, na minha conduta, e todos à minha volta beneficiarão disso, inclusive eu próprio, porque a vibração que eu emano para fora retornará para dentro. É essa mesma busca que me dá o entendimento de que, tal como tudo na natureza, eu nasci para viver em simbiose e não como parasita.
Se existirá vida depois da morte? Se a “minha” alma reencarnará noutro corpo? Não sei, duvido de quem saiba e tampouco me importa. Embora o questionamento seja para mim uma prática diária, não são essas as questões que me ocupam. Viverei a ressignificar a vida no presente e enquanto ainda respiro, apenas para não enlouquecer e/ou viver refém da minha própria sombra.
“O contrário da morte não é a vida, é o nascimento. Vida é o que existe entre esses opostos.” Eduardo Marinho
Ainda que não acorde todos os dias a pular de alegria, sou inteiramente interessado e fascinado pelo que é vida, e tudo o que me importa é tentar compreendê-la e amar todas as suas formas. Quanto à morte, não a temo mais, contudo, respeito-a. Saber da sua existência faz-me interessar ainda mais pelo que é vida. Trabalho internamente a sua aceitação e converto-a em combustível para viver, e não para sofrer — ela é, e carrega, apenas mais um ensinamento.
Dale Carnegie citou, no seu best-seller Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, uma frase de William James: “O princípio mais profundo da natureza humana é a fome de reconhecimento.” Embora subscreva esta sábia afirmação, eu trocaria a fome de reconhecimento pela fome de sentido.
Ainda que nada seja verdade, esta é a minha verdade e a que me mantém vivo.